terça-feira, 12 de dezembro de 2017

Blade Runner 2049: Consciência e Liberdade

Em Blade Runner 2049, uma nova espécie de replicantes é desenvolvida pela Tyrell Corporation para ser mais obediente à humanidade sem risco de rebelião. Segundo o líder da corporação, Niander Wallace (Jared Leto), isso ocorre devido à perda da coragem pelos humanos de escravizar uns aos outros como faziam no passado. O trabalho de K (Ryan Gosling), que é um replicante "blade runner", é caçar fugitivos remanescentes do modelo antigo de androides e matá-los.

Tudo funciona bem nessa realidade até um dado que desperta a consciência de K. Consciência é aquilo que, por definição, permite ao ser humano compreender aspectos do seu mundo interior e estimula a percepção entre o certo e o errado; é o domínio que transcende o espaço e o tempo segundo a física quântica; e aquilo que, segundo Sartre, dá ordem e propósito ao mundo.

Uma vez conscientes do seu aprisionamento, os novos replicantes passam a questionar sua liberdade. Como provar que são seus próprios mestres? 

O filme propõe duas vias de libertação. Uma delas se assemelha ao cristianismo tradicional. A salvação pode vir a partir de um ser excepcional, um Messias, o "milagre" que é mencionado na primeiras cenas. Essa é uma compreensão que predomina as mentes dos personagens ao mesmo tempo em que se dão conta de que esperar pelo Salvador não é suficiente para sua espécie. A outra alternativa (que se assemelha à defendida por Kant) é a de que os escravos só podem ser livres de verdade se libertarem a si próprios. Se a liberdade for dada sem esforços, rapidamente voltarão à servidão.

Quero finalizar dizendo que, apesar de gostar de ler, não sou profundo conhecedor de filosofia ou da obra de Kant, Sartre e até mesmo Descartes que eu já citei outras vezes. Eu apenas quis escrever um pouco para que as idéias que me ocorreram fossem expressas em vez de ficarem perdidas no tempo, por aí, como lágrimas na chuva.


segunda-feira, 16 de outubro de 2017

Deus e o Diabo revelados?


Não sou religioso, mas sou curioso e há tempos atrás li um livro sobre a origem de Deus e outro sobre o Diabo em seqüência. E o fato é que tanto Deus quanto o Diabo são conceitos reforçados com as mesmas bases: a do medo e da intimidação.

Os elementos biográficos de Jesus Cristo (quer se creia ou não) são belos. Já o Deus do Antigo Testamento pode ser tão perverso quanto o Diabo, enquanto demônios como Pazuzu podem ter um lado bondoso como proteger as mulheres que amamentam.

Na Idade Média, estudantes de Medicina da nobreza e senhoras pobres conhecedoras de plantas usavam as mesmas fórmulas em seus experimentos, mas apenas elas eram queimadas pela Igreja, que sempre se alimentou de obediência cega e subserviência. 

A Inquisição nunca buscou de fato justiça ou o extermínio de demônios. Uma vez acusada, a pessoa não tinha chance alguma de absolvição e era torturada até confessar até mesmo o que não fez para ter a misericórdia da morte. E os bens dos condenados eram apossados pela Igreja, ou seja, um bom empreendimento.

Tendemos a buscar significado e objetivo pra tudo que nos rodeia. Mais do que um Deus e um Diabo, o que existe no mundo são pessoas julgando umas as outras e vidas sendo pautadas na provável recompensa ou castigo do pós-morte.

Livros lidos: Deus - Como Ele Nasceu (Reinaldo José Lopes) e O Diabo Revelado (Laurence Gardner).


segunda-feira, 25 de setembro de 2017

A ficção científica na minha vida


Há um tempo atrás eu li "O Fim da Infância" (1953) do Arthur C. Clarke, que gira em torno da chegada de uma raça alienígena - os "Senhores Supremos" - superior à humana e que passa a nos governar. Essa nova era traz uma realidade sem guerras e conflitos religiosos e o autor explora as prováveis conseqüências de viver em uma utopia. Uma delas é o declínio das artes. 
- Seria o caos (ou pelo menos um pouco dele) indispensável para alimentar o nosso processo criativo?
Outro ponto marcante no livro é o aspecto físico desses aliens, semelhantes à nossa visão pré-concebida dos demônios. Porém eles são nossos protetores. 
- Até que ponto podemos ser enganados pelas aparências e precisamos nos proteger de nós mesmos?


Em seguida, comecei a ler Philip K. Dick, que utiliza elementos como viagens espaciais, inteligências artificiais, distorções do espaço-tempo e drogas psicodélicas para questionar a realidade.


Em "Androides Sonham Com Ovelhas Elétricas?" (1968), o ponto central é a empatia. Ela não é natural nos humanos e precisa ser estimulada através de uma simulação virtual. Os andróides podem ser tão passionais quanto as pessoas reais e as pessoas tão mecânicas quanto uma I.A. Esse livro inspirou o filme "Blade Runner" (1982), que tem um ponto em comum com "Matrix" (1999) e "Ghost In The Shell" (2017): lembranças falsas são implantadas nos protagonistas e seus corpos e mentes funcionam como entidades distintas, exemplificando o dualismo cartesiano.
- Podemos confiar nas nossas memórias? Seria a consciência - não material - mais confiável que os cinco sentidos?

As histórias de Philip e Arthur (também autor de "2001: Uma Odisséia no Espaço" [1968]) escritas na década de 50, 60 e 70 imaginavam o mundo nos anos 2000 e a experiência maravilhosa em ler é constatar as profecias concretizadas (PKD descreveu um GPS em "Fluam Minhas Lágrimas, Disse o Policial" [1974] e ACC um tablet em "2001") e as não concretizadas (ainda não estamos pegando ônibus espaciais pra Marte como era previsto).

Mas o mais esplêndido na ficção científica - seja antiga ou atual - é perceber que não são simplesmente historinhas bobas de máquinas, planetas e robôs, mas formas de nos enxergarmos como seres humanos, a realidade em que vivemos, nossas decisões e nossa consciência. De uma maneira bem passional, eu posso dizer que a minha vida nunca mais foi a mesma desde que me interessei por FC. Meu interesse por astronomia e filosofia se intensificou. O número de respostas diminuiu e o de perguntas aumentou. Mas acho que isso é bom.

segunda-feira, 7 de agosto de 2017

Pílula azul ou pílula vermelha?


Se oferecessem a você uma pílula azul, que faria a vida seguir normalmente ou uma pílula vermelha, que lhe revelaria toda a verdade de modo irreversível, qual você escolheria?
Em 1977, Philip K. Dick disse que vivemos em uma realidade gerada por computadores e a única pista disso seria a distorção dela quando uma variável é modificada.

Há quanto tempo vivemos na Matrix? Talvez desde sempre. Quando Giordano Bruno no século XIV questionou a vida em outros planetas, pôs em cheque as concepções da Igreja e, como um "vírus",  teve de ser "deletado".

No século XVII, Descartes afirmou que podemos ser traídos pelos nossos 5 sentidos e apenas acordados somos capazes de diferenciar as experiências "reais" das que tivemos nos sonhos. Para ele, vivemos ilusões criadas por um "Demônio Maligno" - seria um superneurologista?

Entre 1981 e 1990 centenas de pessoas saudáveis morreram dormindo em Atlanta. A "Síndrome da Morte Noturna Súbita Inexplicável" levantou a hipótese de que sonhos podem matar. Seria esse um exemplo de falha na Matrix citada por Philip K. Dick?

A nossa espécie (homo sapiens) está criando a "próxima espécie": a Inteligência Artificial. Recentemente, o Facebook desativou uma I.A. após ela criar sua própria linguagem.


No filme Matrix, Neo sofre do mesmo mal do caçador de andróides de Blade Runner em determinado ponto: descobrir que tudo o que viveu foi mera ilusão.
Há referências ao Cristianismo. Neo é o Escolhido, o salvador, embora prefira crer que molda o próprio destino. Trinity faz alusão à Santíssima Trindade. Cypher é um Judas hedonista. Não por coincidência, o filme foi lançado na Páscoa de 1999.

Será que a física, a psicologia, a mitologia e a religião tem fundamento ou são formas elaboradas de mascarar a verdade e a irregularidade do tempo e espaço? De acordo com Trinity, são as perguntas que nos movem. E eu concordo com ela.

quinta-feira, 20 de julho de 2017

O Povo Contra Courtney Love


Viúva de Kurt Cobain, rockeira, atriz. A banda dela, Hole, pra mim foi uma das melhores que já existiu mesmo ela sendo uma guitarrista horrível e uma cantora questionável.

E como atriz, é muito, muito intensa. Pra quem nunca a viu atuando, recomendo "O Povo Contra Larry Flynt" (1997), baseado no criador da controversa revista pornográfica Hustler nos anos 70 e suas batalhas judiciais ao longo da vida. Courtney interpretou Althea, mulher de Larry (Woody Harrelson) e roubou a cena, ganhando prêmios, inclusive sendo indicada ao Globo de Ouro de melhor atriz.

O diretor Milos Forman sempre destacou sua disciplina e o compromisso em ficar longe das drogas durante as filmagens, mesmo interpretando uma ex-stripper viciada como Althea Flynt - algo muito próximo da sua própria vida.

Disciplina é algo que Courtney tem no que se refere à música também. "É raro ter alguém com esse nível de talento lírico. Quando você é capaz de trabalhar com alguém naquele nível literário, que se destaca como compositora - é uma honra", disse Sean Slade, produtor do álbum Live Through This, de 1994.

Kurt Cobain sempre é citado como gênio. Pra mim, quem é genial é ela. Aqui uma das minhas músicas preferidas:


segunda-feira, 12 de junho de 2017

Marte - na Astronomia e na Ficção Científica

Na mitologia romana, "Marte" era o Deus da guerra e da carnificina e esse nome foi escolhido para o planeta devido à sua coloração vermelha derivada do ferro oxidado. Vermelho não é a única cor de Marte: há tons de dourado, bege e marrom por conta dos minerais.

Em Marte, o céu é amarelo quando o Sol nasce e rosa quando se põe. As estações do ano são bem definidas e há duas Luas: Demos e Fobos. Há quem diga que Fobos é um satélite artificial criado por uma civilização extraterrestre antiga e que vai se desintegrar e tornar um anel em torno de Marte daqui a milhões de anos.

O solo de Marte é cheio de crateras devido a quedas de asteroides e a sua maior montanha - o Monte Olimpo - é 3 vezes mais alta que o Monte Everest terrestre, com 27 km de altura, sendo na verdade um vulcão fora de atividade.

Se a humanidade tivesse se desenvolvido em Marte, todos teríamos pelos no corpo todo para suportar os invernos rigorosos e haveria poucas diferenças étnicas, assim como haveria pouca biodiversidade em um modo geral. Agencias espaciais terrestres já enviaram algumas IA's ao planeta, como o robô Sojourner, que ficou em atividade de 1997 a 2006 e a sonda Opportunity, que chegou lá em 2004, desafiou a morte e ainda está lá. Um dos desafios na exploração do planeta seria a sanidade mental dos astronautas: a radiação cósmica pode levá-los à demência no trajeto.

O deserto do Atacama, no Chile, é considerado o lugar terrestre com características mais próximas às de Marte.


Marte na Música

Já foi homenageada por David Bowie em Life on Mars (1971).

Marte na Ficção Científica

O livro "As Crônicas Marcianas" foi escrito por Ray Bradbury no final dos anos 40 e é uma coletânea de contos sobre expedições à Marte. Chamam atenção o potencial de destruição dos exploradores no planeta vermelho e seus encontros com pessoas mortas em muitas das histórias.

Já em "Os Três Estigmas de Palmer Eldritch", de 1964, o profético Philip K. Dick descreve a colonização de Marte impulsionada pelo superaquecimento terrestre e o uso de alucinógenos pelos colonos para sobreviver ao tédio. O slogan do traficante Palmer Eldritch para suas drogas é: "Deus promete a vida eterna; nós cumprimos essa promessa".

domingo, 4 de junho de 2017

Angelina


Não é difícil falar sobre a minha atriz preferida. Angelina consegue dar vida a sociopata (Garota, Interrompida), viciada (Gia), uma pilantra em filme de época (Pecado Original), uma mãe que perdeu um filho (A Troca); humanizar uma vilã clássica da Disney (Malévola) e até nos filmes mais fracos, é um prazer vê-la atuando.

Pessoalmente, ela é uma força da natureza e alguém em quem rótulos não cabem. Eu a associo à liberdade, sobretudo liberdade de escolha. A mulher que não acredita em Deus, mas não mede esforços para ajudar ao próximo. Mais que doar dinheiro, ela vai pessoalmente a campos de refugiados e se engaja em causas humanitárias. 
A mulher que administrou bem o uso de drogas, a bissexualidade, "roubou" o marido da namoradinha dos Estados Unidos, casou, teve alguns filhos, adotou outros e removeu os seios para não desenvolver o câncer que matou a própria mãe.

A última vez que a vi no cinema foi em "À Beira Mar" (2015), também dirigido e roteirizado por ela, atuando com o ex-marido Brad Pitt. O curioso é que o filme não tem nada a ver com "Sr. e Sra. Smith", lançado dez anos antes e me pergunto o quanto a realidade do casal pode ter influenciado no processo de criação desse filme, já que Angelina é conhecida por se integrar demais aos personagens que interpreta.

"É algo tão intenso ser absorvida para dentro de um filme. É como descobrir que se tem uma doença fatal, restando-lhe apenas pouco tempo de vida. Então você sai daquele mundo como uma cobra trocando de pele e se vê sozinha e com frio". Angelina Jolie, sobre atuar.

O projeto atual dela é esse aqui: "First They Killed My Father", novamente como diretora e eu não vejo a hora de estrear.


segunda-feira, 29 de maio de 2017

Madonna, Words e Agressão Verbal


"Words" faz parte do álbum "Erotica" de 1992. Nunca foi single, cantada ao vivo ou trabalhada de qualquer forma. Mas é um tesouro escondido em sua obra e um momento brilhante como compositora.

A letra fala sobre o uso de palavras como instrumento de coação e manipulação ("You try to bring me low and gain control with your words") e a incoerência entre discursos e atitudes ("Your actions speak louder than promises"). Os danos desse tipo de agressão são psicológicos, mas podem parecer tão reais quanto uma dor física ("Words, they cut like a kinfe"). E nos últimos segundos da faixa, se ouve o barulho de uma máquina de escrever, que eu sempre interpretei como alguém prestando uma queixa policial após sofrer violência verbal. 

No caso de Madonna, palavras degradantes a seu respeito sempre foram ditas, principalmente nessa época em que ela escolheu incluir posicionamentos sobre religião e sexualidade na sua arte. Quanto a mim, já passei por agressões verbais inúmeras vezes na minha vida, algumas muito novo inclusive, já que sempre fui ~diferente~. E creio que ninguém está imune a essas situações. 

Quando eu prestei vestibular, o tema da minha redação foi: Palavras. Eu lembrei de Words e elaborei um texto inspirado nessa música. Tirei uma nota alta. Posso então dizer que, de alguma forma, Madonna me ajudou a entrar na Universidade.


quarta-feira, 10 de maio de 2017

Bono Vox


Eu conheço U2 desde sempre, assim como todo mundo. As músicas principais tocam tanto em todo lugar que algumas viram até clichê. Quando aprendi a tocar violão - e isso tem tempo - "Sunday Bloody Sunday" foi uma das músicas que a minha professora ensinou.

Nunca fui colecionador de U2. Do Bono, aliás sei pouco. Li a entrevista dele no livro "As Melhores Entrevistas da Revista Rolling Stones" há alguns anos e sei que perdeu a mãe cedo e teve uma relação conturbada com o pai a vida toda. E no que tange religião e sexualidade, Bono é a antítese de tudo o que eu sou: é cristão e heterossexual.

Mas durante um período conturbado da minha vida, música foi a minha terapia. E as vozes do Bono e do Brandon Flowers (talvez eu escreva sobre ele algum dia aqui também) me traziam calma, inclusive em músicas como "Yahweh" (um dos nomes bíblicos de Deus) e "40" (que é um salmo) - mesmo sendo eu um ateu.

Uma das músicas preferidas - "If God Will Send His Angels" - tem uma letra um pouco cínica (Jesus costumava me mostrar o caminho, então O colocaram no show business e agora é difícil chegar até a porta). E mesmo com tanta influência da religião em sua vida, Bono dedicou "Pride" em um show à aprovação do casamento gay nos Estados Unidos.

Estão dizendo que o U2 volta ao Brasil esse ano. Eu e uma amiga (que aliás, canta "Song For Someone" à capela) iremos com certeza. Então, Bono Vox, nos vemos em outubro. Por enquanto, Feliz Aniversário!

segunda-feira, 24 de abril de 2017

Fascismo x Paranóia


No livro de ficção científica "Clãs da Lua Alfa" de Philip K. Dick, publicado em 1964, a lua Alfa III M2 é um satélite que serve de asilo para pacientes psiquiátricos terrestres largados à própria sorte. Nessa realidade alternativa, há divisão em grupos sociais (clãs), leis e lideranças semelhantes a um Estado constituído.
Quando uma psicóloga terrestre chega à Lua Alfa, ela conclui que a liderança daquela sociedade recai sobre os paranoicos, o que seria perigoso pela incapacidade deles de sentir empatia e se colocar no lugar do outro. A base emocional de sua ideologia seria o ódio. Ódio por tudo o que diferisse do seu grupo.

Os livros que eu escolho ler em seqüência ou ao mesmo tempo sempre - misteriosamente - se relacionam entre si ou sincronizam. E ao começar a ler "Como Conversar Com Um Fascista", vi que a autora Márcia Tiburi usa palavras muito parecidas com as de PKD para descrever uma situação atual e real: vivemos em uma sociedade fascista e temos muitas pessoas paranoicas em cargos de liderança política, religiosa e midiática. O medo, a paranoia e o ódio estão presentes nos discursos distorcidos e na tentativa de fazer com que vítimas e algozes troquem de lugar ao tentar estabelecer falácias - por exemplo: "heterofobia", "cristofobia" e "racismo reverso" - como verdades.

Eu tive uma experiência com fascistas/ paranoicos há um tempo atrás em uma mesa de bar. Eu ouvi todos os clichês reacionários possíveis - "meritocracia" foi uma palavra dita várias vezes pelo grupo e, acreditem, foi uma das mais "leves". Nesse caso específico eu segui o conselho de RuPaul:
Mas é sempre desconfortável lembrar daquele dia. Aquelas pessoas (que aliás, são gays) reproduzem discursos de opressão sem mensurar os possíveis danos para uma comunidade da qual fazem parte, para elas mesmas. E não são as únicas. Qualquer sessão de comentários de notícias na internet prova isso. Precisa haver limites para a idiotice. Do contrário - como diz M. Tiburi - o que resta é isolar-se e estocar alimentos.

quinta-feira, 13 de abril de 2017

Strike a Pose (2016)


Em 1991, dois documentários de grande importância para a comunidade LGBT foram lançados: "Paris is Burning", que mostrava a cena gay de Nova Iorque do fim dos anos 80 - as drag queens, os bailes, o vogue; e "Truth or Dare", que mostrou os bastidores da Blond Ambition Tour de Madonna e o convívio com sua equipe - parte dela composta por 7 dançarinos: Carlton, Gabriel, Jose, Kevin, Luis, Oliver e Slam. Uma Parada Gay e um beijo entre dois deles foram mostrados no filme. Em meio a polêmica e muitos protestos, a temática LGBT finalmente chegava ao mainstream.

Mal sabiam esses dançarinos que se tornariam ícones da cultura pop. A exposição deles em "Truth or Dare" foi transgressora em uma época de conservadorismo e repressão. Até hoje eles recebem mensagens de gays do mundo todo dizendo o quanto a coragem, a alegria e o talento mostrados foram inspiradores. Eu mesmo admito que foram minha primeira referência gay e quer eu me identificasse com eles ou não, a mensagem absorvida foi: está tudo bem em ser diferente.

Gabriel faleceu em 1995 em decorrência da Aids. E os outros resolveram contar as suas histórias no documentário "Strike a Pose", lançado ano passado. Esses foram os gays que eram jovens nos anos 90 e hoje estão envelhecendo, com uma trajetória de marginalidade, abandono e solidão - que nesse caso, especificamente, contrasta com toda a fama passageira que tiveram.

Doeu saber que a vida não foi pra eles aquilo com o que sempre sonharam. Muitos se deslumbraram, fizeram escolhas erradas e desperdiçaram oportunidades. Ver Slam chorando pelo segredo que não teve coragem de compartilhar com os amigos - resultado da educação rígida do pai - me partiu o coração. Mas me confortou saber que - exceto por Gabriel - eles sobreviveram, os medos e os preconceitos foram superados e hoje em dia estão bem. E sim, é possível superar todo o desamor que nos é imposto. 

quinta-feira, 6 de abril de 2017

Ghost In The Shell e Blade Runner


Eu amo "Blade Runner". E o que eu sinto pelo livro "Andróides Sonham Com Ovelhas Elétricas?" que o inspirou não pode ser descrito por palavras.

Blade Runner apresenta um futuro distópico, sem natureza, predominado pela noite, chuva e fumaça. Baixa qualidade de vida, guetos e ruas imundas em contraste com hologramas, edifícios gigantescos e alta tecnologia. Apesar desse filme ser dos anos 80, eu só fui assistir ano passado por ter lido o livro do Philip K. Dick. E lembro de ter imaginado o que as pessoas que o viram no cinema na época devem ter sentido.

Essa semana eu assisti "Ghost In The Shell". O cenário cyberpunk - estilo que teve Blade Runner e "Neuromancer" como precursores - está ali, com todos os seus aspectos visualmente melhorados (nem dá pra comparar os efeitos especiais de um filme de 2017 com um de 1982). Agora a história é contada pela perspectiva de uma andróide e não de um homem caçador de andróides considerados fugitivos perigosos.

Afinal de contas, o que diferencia uma pessoa de um ser criado artificialmente? O que é realidade e o que é a distorção dela? É possível que um replicante tenha mais empatia aos seres ao seu redor (inclusive os animais) que os humanos? E andróides sonham mesmo com ovelhas elétricas? E as pessoas, com o que sonham? Elas são definidas pelas suas lembranças ou por aquilo que fazem? Quais lembranças são confiáveis? Quanto cada um é capaz de lutar pra sobreviver?

A despeito de todas as críticas que Ghost In The Shell vem sofrendo, eu amei cada detalhe dele. Da atuação de Scarlett à trilha sonora. Mas o maior presente que esse filme me proporcionou foi experimentar um pouco a sensação de assistir a Blade Runner no cinema.

terça-feira, 28 de março de 2017

500 anos depois de "O Príncipe"


O livro "O Príncipe" foi escrito por Maquiavel em 1513 e trata das maneiras que se espera que um príncipe/ líder/ governante conduza o seu principado. Mas a impressão ao ler hoje, em 2017, é de estar lendo um espelho embaçado da realidade atual.

Eis algumas citações do livro que me chamaram a atenção:
- O líder deve sustentar os mais fracos, mas sem permitir que o seu poder seja ampliado. Se todos lhe deverem obediência e gratidão, dificilmente serão corrompidos. 
- Se o líder for usar de atrocidades, que o faça de uma vez só e, de preferência, reversíveis, pois as que acumulam são contraproducentes. Das pequenas afrontas as pessoas podem se vingar, já das graves não conseguem.
- É melhor a um líder ser temido do que amado. A natureza das pessoas é perversa e traiçoeira e é mais provável que se voltem contra quem estimam do que contra quem temem, pois o medo da punição jamais as abandona.

Maquiavel era italiano e escreveu sobre a monarquia nos anos 1500. Vivemos hoje no Brasil em um sistema "democrático". Uma amiga minha historiadora sempre diz que a História é cíclica e se repete. E ela provavelmente está certa.
O que consta nesse livro me leva a fazer um paralelo com as discussões sobre o sistema de cotas (sim, ainda tem gente - e muita - que não aceitou), pensar nos beneficiários de programas sociais se manifestando contra os seus criadores e, principalmente, ter medo da enxurrada de medidas governamentais trágicas (à população, claro) a que estamos sendo submetidos - chegaria ao ponto de todos estarmos de mãos completamente atadas? Talvez nossos governantes tenham estudado Maquiavel. Talvez devamos estudá-lo também.

segunda-feira, 9 de janeiro de 2017

Querido David


Na minha adolescência, a sua música chegou a mim na voz de outros caras: "The Man Who Sold The World" na do Kurt Cobain e "Heroes" na do Jacob Dylan, filho do seu amigo Bob. Lembro de ter ouvido "I'm Afraid of Americans" em 'Showgirls' e "Heroes" em 'Eu, Christiane F'. De ver o clipe maravilhoso e melancólico de "Thursday's Child" na MTV e o musical "Velvet Goldmine" inspirado na sua vida.

Mas foi em 2015 que você deixou de ser um mero conhecido pra se tornar um marco na minha vida. Meus melhores amigos me deram um livro sobre você, que eu devorei como se fosse uma Bíblia. O livro era sobre o processo criativo dos seus discos nos anos 70. Eu fiquei fascinado com o seu personagem Ziggy Stardust, o rock star andrógino e alienígena.

Descobri que tinhamos vários interesses em comum como astronomia, ufologia e paganismo. Descobri que o seu irmão era esquizofrênico e se matou. E que você disse as palavras do replicante Roy de Blade Runner para homenageá-lo: 'tears in the rain'.

Você tinha medo de um dia enlouquecer. Eu entendo isso. Eu também tenho. Apesar de sempre ouvir dos outros o quanto eu sou "calmo", eu sei o quanto há uma linha tênue entre a sensatez e a insanidade dentro de mim.

Muito antes de eu nascer, você rejeitou a hipermasculinidade imposta pela sociedade. Essa mesma que eu nunca tive. E se hoje, eu me sinto bem sem ela, é graças a pessoas corajosas como você. 

Você ficou lindo vestido de mulher em "Boys Keep Swinging". Você mudou tanto durante a sua vida. "Changes". Mudanças emocionais, de estilo de vida e de música. Mutações enquanto manifesto. Eu li "1984" do George Orwell por sua causa, por você tê-lo referenciado tanto no disco "Diamond Dogs" e foi um dos melhores livros que eu já li na vida.

"Space Oddity", "Life on Mars" e "Loving The Alien" me fazem sonhar com o espaço e a vida fora da Terra. Toda vez que eu ouço "Young Americans" eu sorrio. "Heroes" me conforta e me dá confiança. "Survive" e "Seven" me comovem. Eu ouço cada segundo dos 9:35 de "Cygnet Committee" e reflito sobre cada palavra cantada nela. Dá pra fazer as pazes quando a estrada chega ao fim? Assim como você diz no fim dessa música: eu quero acreditar! E eu quero viver!

Obrigado por cada música maravilhosa que você escreveu. Obrigado por me inspirar. Obrigado por ter feito mais que existir nesse mundo: você fez a diferença nele. E eu amo você, David.