quarta-feira, 31 de outubro de 2018

Por que ler Isaac Asimov, o pai dos robôs?


Isaac Asimov nasceu na Rússia em 1920, mas foi criado e viveu nos Estados Unidos. Já graduado em Bioquímica, começou a escrever ficção científica e é considerado um dos grandes nomes da chamada Era Dourada do gênero.

Tendo os robôs como protagonistas de várias histórias, Asimov criou as 3 leis da Robótica na ficção:
1) Um robô não pode ferir um ser humano, ou por inação, permitir que um ser humano sofre algum mal
2) Um robô deve obedecer incondicionalmente um ser humano, exceto quando tais ordens entrem em conflito com a primeira lei
3) Um robô deve proteger a própria existência, desde que tal proteção não entre em conflito com a primeira e segunda leis.

Rompendo com o complexo de Frankenstein, seus robôs não eram criaturas hostis que se voltavam contra os criadores. Muitas histórias eram até leves e divertidas, as melhores delas reunidas no livro de contos "Eu, Robô", embora a melhor delas na minha opinião, "O Homem Bicentenário", tenha ficado de fora dessa coletânea.

Eu, como boa cria de Philip K. Dick, estranhei um pouco sua escrita maniqueísta, sem os personagens piradões, alucinações, psicoses, drogas e exegeses característicos das obras do Philip. Minha primeira leitura foi "O Fim da Eternidade", que trata da possibilidade de viajar no tempo como se anos e séculos fossem lugares e das consequências futuras de se mexer no passado, tendo sido inspiração óbvia para filmes como Efeito Borboleta e o episódio San Junipero de Black Mirror.

Não gosto tanto dos livros do Asimov como gosto dos contos. Li recentemente "Juventude e outros contos", com foco em alienígenas e achei fantástico.

segunda-feira, 8 de outubro de 2018

Aldous Huxley: histeria, alienação e barbárie

1952. Em "Os demônios de Loudon", Aldous Huxley se mostra um excelente contador de histórias e adverte sobre a alienação obtida pela 'união' de pessoas em prol de organizações políticas: libertos de consciência, não há humanidade ou responsabilidade sobre julgamentos. Nesse cenário, uma multidão é equivalente a um câncer.

Para aliviar o sentimento de culpa, os sádicos sempre encontram justificativas para o seu divertimento:
- A brutalidade com crianças é racionalizada como 'disciplina'.
- A barbárie com infratores é conseqüência do imperativo categórico.
- A violência contra 'hereges' políticos e religiosos é um ato em benefício da 'verdadeira fé'.
- Para a brutalidade com raças, já foram usados argumentos científicos.
- Quanto aos loucos? 'São culpados de sua própria loucura, ou seja, merecem a brutalidade'.

1959. Em "A Situação Humana", Huxley reconhece a co-dependência entre fatores ambientais e hereditários. Se queremos ser 'eugenistas' de alguma forma, também devemos ser reformadores sociais: de que adianta uma raça humana magnífica sem condições para que suas qualidades se desenvolvam?

1931. O protagonista de “Admirável Mundo Novo” (seu livro mais famoso) escolhe o desconforto. Em suma, ele reclama o direito de ser infeliz. De estar sujeito a adoecer, passar dificuldades, ficar apreensivo pelo futuro e suscetível a todo tipo de dor física ou emocional, sem nenhum tipo de imunidade ou anestesia.

1961. O autor escreve a antítese de sua maior obra. Em “A Ilha”, o protagonista opta pelo amortecimento das emoções. Por estar menos consciente da realidade do mundo e dos horrores que o cercam, das próprias dores e rejeita o chavão bíblico “Perdoa-lhes. Eles não sabem o que fazem”. Ele sabe muito bem o que está fazendo. Todos sabem.

2018. Cada um desses livros que eu li nos últimos anos foi um tapa na cara. Um não, vários. Como um autor falecido há 55 amos pode ser tão atual e urgente? Seus livros são verdadeiros tratados sobre a situação e a psicologia humana (inclusive com várias críticas ferrenhas a Freud e Jung), as causas e consequências das autossugestões, catarses, pulsões de morte, alienação e (ir)responsabilidade social dos indivíduos quando parte de um coletivo.

Pensamos que somos algo único e maravilhoso no centro do universo. Mas na verdade somos apenas um leve atraso na infinita marcha da entropia”.
Não adianta, a raça humana é uma falha. Nós somos uma falha do universo.
Verdades... valores... espiritualidade genuína... petróleo”.
Bem vindos ao progresso e à vida moderna.


segunda-feira, 24 de setembro de 2018

"A Arma e outros contos" de Philip K. Dick.

Lançado pela L-Dopa Publicações, "A Arma e outros contos" reúne sete contos menos conhecidos do autor Philip K. Dick em sua fase inicial, fortemente influenciado pelo Pós-Guerra e a Guerra Fria.

"A caveira" abre o livro com uma história de viagem no tempo em que a guerra é tratada como um método de seleção natural. "A cripta de cristal" surpreende com uma forma de terrorismo inusitada. "A arma", apesar de constar no título do livro, é o conto que considero menos interessante, tratando de uma arma de guerra que toma decisões autonomamente, sem um operador.

Os dois contos seguintes parecem se aproximar mais daquilo a que seus leitores estão acostumados: o mundo das pseudo-realidades e das perturbações psicológicas. Em "Ali jaz o wub", uma espécie animal alienígena negocia o próprio abate com seus caçadores e em "O flautista na selva", homens sadios passam a acreditar que se tornaram plantas e agir como tal. 

"Sr. Espaçonave" é um dos mais filosóficos. Um cérebro humano é transplantado em uma máquina espacial sem que se tenha certeza da permanência das faculdades mentais individuais e de que modo as entidades corpo/mente funcionam em conjunto e/ou separadamente, além de discutir a violência como hábito ou instinto.

"Os defensores" fecha o livro com uma referência à alegoria da caverna de Platão ao mostrar a humanidade amedrontada pela guerra vivendo no subsolo da Terra e acreditando nas notas enviadas pelos robôs que habitam a superfície. Esse conto surpreende por parecer mais algo do Isaac Asimov do que do próprio Philip, com os robôs da história rompendo com o Complexo de Frankenstein.


quinta-feira, 26 de julho de 2018

Por que ler Philip K. Dick?


Philip K. Dick foi um escritor americano de ficção científica, nascido em 1928. Suas histórias, inconvencionais até mesmo para o gênero, focavam sempre em realidades distorcidas. Foi muito influenciado por Aldous Huxley, suas próprias experiências com drogas, estudos sobre Psicologia e, principalmente, por sua crença de que não vivemos em um mundo real, mas em uma realidade simulada por computador, ou seja, uma matrix. A quantidade de adaptações para cinema e TV de seus livros e contos é espantosa, só para citar algumas: Minority Report, O Vingador do Futuro, O Homem Duplo, O Homem do Castelo Alto e, claro, Blade Runner.

Na juventude, Philip foi submetido a um teste psicométrico e o resultado surpreendeu: suas respostas em conjunto não seguiam absolutamente nenhum padrão. Era como se a sua personalidade fosse raríssima ou até mesmo exclusiva. Com esse perfil único, sua sanidade mental era discutível, e sua inteligência e criatividade inegáveis. Em vida, foi premiado algumas vezes, mas sua genialidade levaria tempo para ter o devido reconhecimento. Blade Runner chegou ao cinema em 1982, ano de sua morte, e desde então até os dias de hoje, produtores fazem fila para adaptar suas histórias.

Não espere maniqueísmo em seus livros: bem e mal não são claramente definidos e seus protagonistas não são heróis. Espere mais perguntas do que respostas, a maioria delas começando com "E se... ?". E se você não soubesse se está vivo ou morto? Se é uma pessoa ou um andróide? E se pudesse implantar memórias falsas? E se tivesse uma vida dupla? E se sobrevivesse num mundo psicótico a base de alucinógenos? E se acordasse um dia e ninguém lembrasse quem você é? Como seria o mundo se a Alemanha e o Japão tivessem vencido a Segunda Guerra? Espere histórias ágeis, caóticas e bem construídas no futuro (o nosso presente) como ele imaginava que seria.

O professor de ciências políticas Henry Farrell foi categórico: "Não é no futuro de George Orwell ou Aldous Huxley em que estamos vivendo. Não estamos aprendendo a amar o Big Brother ou tomando o soma para preservar as hierarquias sociais. É no mundo de Philip K. Dick: o das pseudo-realidades. As pessoas hoje não são melhores em detectar inteligências artificiais do que seus personagens. No twitter muitos interagem com bots, inclusive o presidente dos Estados Unidos retuitou uma mensagem elogiosa de um bot conectado a uma outra rede de bots. Essa falsidade generalizada, combinada com política fragmentada e fake news, pode ser explosiva".

Coincidentemente (ou não), houve sincronias entre seus livros e os momentos da minha vida enquanto eu lia pelo menos quatro vezes, com Fluam, Minhas lágrimas, Disse o Policial; Um Reflexo na Escuridão (ou O Homem Duplo); Os Três Estigmas de Palmer Eldritch (esse aliás era um dos livros preferidos do John Lennon) e Clãs da Lua Alfa.  No Brasil, a maioria dos livros disponíveis de Philip foram lançados pela Editora Aleph. E essa é a minha coleção. <3


Nós estamos vivos e Philip está morto? Ou seria o contrário?

segunda-feira, 23 de julho de 2018

Like a Prayer: uma afronta ao catolicismo ou ao racismo americano?


Like a Prayer (Video, 1989): a personagem de Madonna no clipe testemunha um grupo de homens brancos atacando uma jovem branca e fugindo quando a polícia chega. Um homem negro passando pela rua decide ajudar a vítima e acaba sendo preso por engano.

Há uma troca de olhares entre Madonna e um dos bandidos, que simboliza uma ameaça mas também estabelece cumplicidade: alguém comete um crime, alguém silencia sobre ele. Eis o panorama: homens brancos estupram e matam mulheres/ homens brancos culpam os negros; ao andaram à noite pelas ruas, mulheres são mortas ou estupradas/ homens negros são colocados na cadeia.


Madonna corre assustada, entra em uma igreja e beija a estátua de um santo negro, que se materializa em um homem real. Em carne e osso, o primeiro beijo entre eles é fraternal (na testa), o segundo é erótico (na boca), não por algo excepcional na narrativa que o justifique, mas para representar a união entre negros e brancos; sexo e religião. Não por acaso, os primeiros a se incomodarem com o vídeo foram os conservadores religiosos.


Madonna não alcança a redenção sozinha, mas assistida por uma divindade: uma mulher negra que a resgata enquanto cai do céu em um sonho (num dos poucos momentos do vídeo que foge das cores predominantes preta e vermelha) e pelo seu coral de igreja formado por cantores negros. Ao tocar em uma faca, recebe os estigmas nas palmas das mãos, representando que foi "tocada por Deus".


A cena das cruzes em chamas é o clímax e a mais longa, durando 30 segundos, além de ambivalente: ao dançar com um vestido decotado em frente a elas, quem está triunfando e quem está sendo renegado: Madonna ou as cruzes? A cruz, o crucifixo, a cruz em chamas da Ku Klux Klan e o calvário dos afro-americanos são também lembretes de quem eram os alvos do projeto nacionalista conduzido na América racista.

Ao despertar do delírio catártico no banco da Igreja, o santo retorna ao altar na forma de estátua e Madonna vai a polícia testemunhar e libertar o homem preso injustamente. A cortina vermelha desce e sobe, o elenco aparece, faz uma saudação, dança e festeja. "The End" surge na tela no estilo dos filmes clássicos de Hollywood,

Videos musicais na época eram considerados ferramentas do pós-modernismo por suas características: imagens cheias de cores, movimentos rápidos, justaposição de idéias provocativas revelando ambiguidades e por vezes recusa em tomar partido. Conduto, pelas questões evocadas o vídeo de Like a Prayer é considerado politicamente progressivo, de modo que foi e ainda é estudado e debatido academicamente.


Texto baseado em artigos do livro "Madonna Companion: Two Decades of Commentary" (1999), que analisam o impacto cultural da obra de Madonna nos anos 80 e 90.

segunda-feira, 9 de julho de 2018

Continuações não-oficiais de Blade Runner em livros (Parte 2)


Lançado em 2011 e escrito pela autora espanhola Rosa Montero, "Lágrimas na Chuva" não é uma sequência, embora a inspiração seja óbvia até mesmo no título do livro. A história se passa em 2109 - quase 100 anos após os eventos de Blade Runner - e muitos elementos da história original foram mantidos: o cyberpunk, a marginalidade em contraste com a tecnologia avançada, as colônias extraplanetárias (com direito a Guerra Fria) e os replicantes ou andróides (os dois termos são utilizados).

Co-habitando a Terra civilizadamente e não mais na condição de escravos, surge uma onda de assassinatos e suicídios entre os replicantes causada por drogas ilegais capazes de alterar suas memórias falsas implantadas (isso mesmo, elas continuam fazendo parte deles) promovendo alucinações. Cabe à replicante e detetive Bruna Husky investigar a história, que envolve conspirações, grupos supremacistas e líderes paranoicos, mostrando que a convivência entre humanos e andróides seria menos pacífica e aceita na realidade do que nas aparências.

A caixa de empatia de "Andróides Sonham Com Ovelhas Elétricas?" não é mencionada, mas há uma outra caixa: a psicomáquina individual que fornece diagnóstico e medicação. Não há tantas referências à valorização dos animais e nem mesmo ao Teste Voight-Kampff, já que os replicantes não são mais fugitivos. O tempo de vida dos andróides continua limitado: 10 anos. Bruna sabe que tem somente cerca de 4 anos pela frente e vive em uma contagem regressiva obsessiva ao mesmo tempo em que deseja viver e entender por que suas lembranças do que não viveu são tão intensas: alguém teria vivido aquilo?

Sobre a leitura, gostei e recomendo. Foi um dos melhores livros que descobri por acaso em 2018.

quarta-feira, 27 de junho de 2018

Continuações não-oficiais de Blade Runner em livros (Parte 1)

Apesar da má recepção quando lançado em 1982, no anos 90 o filme Blade Runner foi revisitado e se transformou em um clássico, assim como o livro Andróides Sonham Com Ovelhas Elétricas? que o inspirou, gerando a pergunta: haveria uma sequência? No cinema, isso só aconteceria em 2017, mas nos livros a sonhada continuação chegou já em 1995.


Blade Runner 2 - A Fronteira do Humano se passa em 2020. Deckard ainda não sabe se é humano ou um dos replicantes, seres cuja origem é explorada de maneira um pouco diferente da história original: não seriam fabricados do zero, mas uma espécie de clones tecnológicos e aperfeiçoados com base em protótipos humanos pré-existentes.

Apesar da dissonância, isso possibilitou o retorno dos replicantes do filme para a história e é coerente com a época do lançamento do livro: experiências genéticas eram assunto dominante nos anos 90 na ficção - em filmes como GATTACA - e na realidade, quando o mundo assistiu a primeira clonagem de um mamífero a partir de uma célula adulta: a ovelha Dolly.


Outro ponto positivo é que o livro resgata também os personagens John Isidore (que está em Andróides Sonham... mas não está no filme) e J. F. Sebastian (que está em Blade Runner, mas não existe no livro original).

Essa sequência não foi escrita por Philip K. Dick, falecido antes mesmo da estréia do filme, mas por K. W. Jeter, que curiosamente foi amigo pessoal de Philip em vida e inspirou um dos personagens do seu livro VALIS. Blade Runner 2 - A Fronteira do Humano não é nenhuma maravilha, mas está longe de ser ruim.

segunda-feira, 14 de maio de 2018

Aniquilação (2018): demônios, pânico e autodestruição

Uma dos melhores coisas que vi nos últimos tempos foi o original Netflix "Aniquilação". Incômodo, de difícil absorção e entendimento, nada palatável. Em meio a teorias e tentativas de compreensão do filme, uma pergunta feita pela Dra. Ventress (personagem da Jennifer Jason Leigh) ficou na minha cabeça: "Por que a minoria das pessoas se suicida, mas a maioria delas se autodestrói?"

Uma resposta, ao menos parcial, encontrei em "Os demônios de Loudon" de Aldous Huxley. A Psicanálise considera teorias de Pulsão de Morte e Pulsão de Vida trabalhando em direções opostas, porém conectadas, relacionadas ao inconsciente. Embora tentativas de suicídio sejam comuns em estado de histeria, raramente são levadas à cabo. 

Ações autodestrutivas também são cometidas conscientemente. A autoflagelação, propagada com força pela Igreja na Idade Média e utilizada até hoje, causa ganhos secundários fisiologicamente: períodos de jejum causam intensa lucidez; ausência de sono reduz o limiar entre o consciente e o subconsciente e a dor física, em determinados níveis, pode causar um choque energético. A recompensa seria a transcendência e, nesse viés, o sofrimento aproximaria de Deus.

De volta ao filme, sei que muita gente não gostou, mas não há como negar que as cenas enchem os olhos com sua beleza (e bizarrice também). Pra mim, o filme como um todo mostra metáforas de uma desordem mental como a Síndrome do Pânico e as modificações genéticas monstruosas representam o comprometimento da percepção de um indivíduo em um momento de crise.

Natalie Porman, que tinha me decepcionado um pouco em filmes recentes (considero "Jackie" uma caricatura e "Song to Song" um projeto ruim e aquém de sua capacidade como atriz), está maravilhosa em "Aniquilação".


sexta-feira, 27 de abril de 2018

Metáforas visuais usadas no cinema

No livro "Como Ver um Filme", Ana Maria Bahiana cita alguma metáforas visuais comuns nos filmes e o seu significado.


Objetos caindo do céu: geralmente antecipam catástrofes. Em Laurence Anyways, (Laurence é uma mulher trans que continua amando a namorada do mesmo modo de antes da transição), uma cena marcante é a das das roupas caindo do céu enquanto Laurence e Fred passeiam em um dos seus reencontros e antecipa uma fase difícil e conflituosa entre o casal.

Voar: costuma ser uma metáfora para o orgasmo, extremo prazer, liberdade e poder absoluto e como exemplo podem ser usados o momento em que Jack e Rose simulam vôo em Titanic e - fora do cinema - o vôo de Madonna em Like a Prayer (em 1:20 do vídeo).

Descer ao porão/ subsolo: investigar o inconsciente. Em Garota, Interrompida, o porão da instituição psiquiátrica é mostrado logo no início, embora a cena - que é um acerto de contas entre as personagens onde os problemas reais, escondidos em um plano inferior da consciência, vêm à tona - seja do último ato. É considerado um dos grandes momentos da carreira da atriz Angelina Jolie.

Chuva: remete à purificação, exorcismo do passado e a força do destino. Como exemplos, dá pra citar Titanic novamente com a chegada de Rose em Nova Iorque, quando decide mudar o seu nome após a tragédia e - para não perder o costume - Blade Runner, com a clássica cena em que Roy poupa a vida de Rick e faz o monólogo sobre as memórias perdidas no tempo como lágrimas na chuva. Em Blade Runner 2049, a chuva aparece de novo, mas com um novo contexto: para Joi, sentir a chuva significa existência no mundo real.

quinta-feira, 29 de março de 2018

Blade Runner e os personagens do livro que ficaram de fora do filme

Já falei algumas vezes sobre "Blade Runner" e "Andróides Sonham Com Ovelhas Elétricas?aquiaqui e sobre o segundo filme aqui. Pra mim o livro e os dois filmes se completam. Falo agora um pouco sobre personagens que foram excluídos e modificados na adaptação cinematográfica de 1982.


Animais artificiais: embora eles sejam mencionados entre Rick e Rachael no filme (ao chegar na Tyrell Corporation, Rick pergunta se a coruja é de verdade), no livro "Andróides Sonham Com Ovelhas Elétricas?", eles têm mais peso na história. Animais reais são raríssimos e possuir um é símbolo de status, o que faz com que muitos adquiram animais elétricos parecidíssimos com os verdadeiros.


Iran, a esposa de Rick: no livro, Rick é casado com uma mulher cuja característica principal é a apatia. Os andróides que eu persigo tem mais desejo de viver do que a minha esposa, diz Rick em determinado momento.


Luba Luft, a andróide cantora de Ópera: impressiona Rick com seu talento. Como algo sem humanidade alguma poderia expressar tanta emoção? É ela quem planta na cabeça de Rick a dúvida sobre ser andróide ou humano ao sugerir que ele também se submeta ao teste Voight-Kampff.


Willbur Mercer: ele é Deus nessa realidade. As pessoas se conectam com ele através da caixa de empatia, em que revivem sua experiência de escalar uma montanha e ser atingido por pedras durante o percurso. Algo crucial sobre Mercer é revelado perto do fim da história.


John Isidore: ele é o motorista do "hospital veterinário" de animais elétricos. Por ter um QI abaixo da média, não pôde emigrar para as colônias fora da Terra. É ele quem abriga Roy e Pris sem se dar conta de que são andróides e de suas intenções. Isidore é algo raro nos livros de Philip K. Dick: um personagem genuinamente puro e bondoso.

quarta-feira, 21 de março de 2018

Marilyn Monroe


Quando me interessei por cinema clássico, assisti "O Pecado Mora ao Lado" e "Os Homens Preferem as Loiras", com Marilyn Monroe. Estava seguindo o protocolo das descobertas cinematográficas. Não fiquei impressionado com ela, mas decidi dar mais uma chance. Assisti então "Niagara" e ali eu soube que tinha sido finalmente hipnotizado.

Pouco tempo depois, eu estava assistindo a todos os seus filmes e devorando livros sobre sua vida - nem todos bons. "Marilyn e JFK", de François Forestier, parece pouco confiável, além de se referir à Marilyn e Jackie de modo misógino. Em "Marilyn", Norman Mailer aparenta maior preocupação em rebater dados de outros escritores do que em contar a história dela.

Se eu tiver que recomendar um livro biográfico seria "Os Últimos Anos de Marilyn Monroe" de Keith Badman. Através de uma pesquisa bem feita, o autor esmiuça detalhes da vida da atriz nos anos de 1961 e 1962: sua internação em uma clínica psiquiátrica aos 35 anos, possíveis estupros, seu vício em remédios, seu relacionamento com o irmãos Kennedy e com aquele que nunca a abandonou - o ex-marido Joe DiMaggio. Lembro de ter achado esse livro fascinante e perturbador ao mesmo tempo.


Sobre filmes, eu recomendaria "Don't Bother to Knock", em que Marilyn interpreta uma babá com problemas mentais; e "Niagara", em que faz uma mulher que planeja a morte do marido. O interessante desses dois títulos é que as personagens fogem do clichê loira-burra-sensual que viria a se tornar lugar comum em sua carreira.

Se eu tiver que recomendar um momento musical, seria ela cantando "One Silver Dollar" no filme "River of No Return". Fuja do filme: é horroroso. Mas ouça a música, que é perfeita e ficou linda na voz dela.


segunda-feira, 12 de março de 2018

Major Tom e filmes espaciais


Nesse fim de semana eu assisti ao filme Lunar. Ele é de 2009, mas não me importei na época do lançamento porque ainda não era tão ligado à ficção científica. Na história, um astronauta interpretado por Sam Rockwell está no espaço, prestes a concluir uma missão de 3 anos na Lua.

São perceptíveis algumas influências nesse filme. A mais nítida é a de 2001 - Uma Odisséia no Espaço (1968) - é impossível não comparar o computador GERTY de Lunar ao computador HAL 9000. Também consigo enxergar nele algo de Solaris, filme soviético de 1972 (considerado a resposta dos russos ao sucesso de 2001, ou o anti-2001), baseado no livro de Stanislaw Lem - que aliás tem um dos meus trechos preferidos - no que se refere à sanidade mental do personagem e suas possíveis alucinações.


Mas sem dúvida não dá pra assistir à Lunar sem pensar em Space Oddity do David Bowie, afinal de contas o filme foi dirigido por ninguém menos que o seu filho, Duncan Jones. Música que, por sua vez, também foi inspirada em 2001 e nos apresentou o Major Tom, personagem que não se limitou ao seu criador e também foi citado em músicas do Peter Schilling e da Lana Del Rey.

Os homens do espaço sentem falta de suas esposas e querem que elas saibam que as amam. O planeta Terra é azul - e não há nada que possam fazer.


quinta-feira, 8 de fevereiro de 2018

O que Aldous Huxley pensava sobre Hitler e Stalin?

Aldous Huxley é famoso pela obra mundialmente conhecida "Admirável Mundo Novo", ficção utópica/ distópica sobre uma realidade "esterilizada", com pessoas produzidas em laboratório, hierarquias sociais bem definidas sem questionamentos; e um medicamento - o Soma - capaz de anestesiar os sentimentos.

Nos livros "A Ilha" e "A Situação Humana", Huxley faz considerações interessantes sobre Adolf Hitler. Em "A Ilha", um dos personagens diz que Hitler não passava de um Peter Pan categórico: vida escolar medíocre, incapaz de competir e cooperar, sexualmente atrasado na puberdade. Se tivesse algum talento, poderia ter sido um Michelangelo, mas seus únicos dons eram odiar e gritar. "30 milhões de mortes foi o preço que o mundo teve de pagar pelo amadurecimento tardio do pequeno Adolf".

Ao contrário dos Peter Pans, que são ótimos para começar guerras com seus delírios, outro tipo de delinquente - os Valentões, como Stalin - com sua força física e realismo sem ambiguidades - é que conseguem desfechos bem sucedidos.

Em "A Situação Humana" (que não é um livro de ficção), Huxley relaciona Hitler à Depressão dos anos 30 nos Estados Unidos: o fantasma do desemprego só desapareceu quando os armamentos começaram a ser fabricados em grande escala em resposta à ameaça nazista. Que paradoxo terrível: a prosperidade do Ocidente dever ao fenômeno Hitler.

Essa é a vida real, que faz "1984" e "Admirável Mundo Novo" parecerem histórias de ninar.