segunda-feira, 23 de julho de 2018

Like a Prayer: uma afronta ao catolicismo ou ao racismo americano?


Like a Prayer (Video, 1989): a personagem de Madonna no clipe testemunha um grupo de homens brancos atacando uma jovem branca e fugindo quando a polícia chega. Um homem negro passando pela rua decide ajudar a vítima e acaba sendo preso por engano.

Há uma troca de olhares entre Madonna e um dos bandidos, que simboliza uma ameaça mas também estabelece cumplicidade: alguém comete um crime, alguém silencia sobre ele. Eis o panorama: homens brancos estupram e matam mulheres/ homens brancos culpam os negros; ao andaram à noite pelas ruas, mulheres são mortas ou estupradas/ homens negros são colocados na cadeia.


Madonna corre assustada, entra em uma igreja e beija a estátua de um santo negro, que se materializa em um homem real. Em carne e osso, o primeiro beijo entre eles é fraternal (na testa), o segundo é erótico (na boca), não por algo excepcional na narrativa que o justifique, mas para representar a união entre negros e brancos; sexo e religião. Não por acaso, os primeiros a se incomodarem com o vídeo foram os conservadores religiosos.


Madonna não alcança a redenção sozinha, mas assistida por uma divindade: uma mulher negra que a resgata enquanto cai do céu em um sonho (num dos poucos momentos do vídeo que foge das cores predominantes preta e vermelha) e pelo seu coral de igreja formado por cantores negros. Ao tocar em uma faca, recebe os estigmas nas palmas das mãos, representando que foi "tocada por Deus".


A cena das cruzes em chamas é o clímax e a mais longa, durando 30 segundos, além de ambivalente: ao dançar com um vestido decotado em frente a elas, quem está triunfando e quem está sendo renegado: Madonna ou as cruzes? A cruz, o crucifixo, a cruz em chamas da Ku Klux Klan e o calvário dos afro-americanos são também lembretes de quem eram os alvos do projeto nacionalista conduzido na América racista.

Ao despertar do delírio catártico no banco da Igreja, o santo retorna ao altar na forma de estátua e Madonna vai a polícia testemunhar e libertar o homem preso injustamente. A cortina vermelha desce e sobe, o elenco aparece, faz uma saudação, dança e festeja. "The End" surge na tela no estilo dos filmes clássicos de Hollywood,

Videos musicais na época eram considerados ferramentas do pós-modernismo por suas características: imagens cheias de cores, movimentos rápidos, justaposição de idéias provocativas revelando ambiguidades e por vezes recusa em tomar partido. Conduto, pelas questões evocadas o vídeo de Like a Prayer é considerado politicamente progressivo, de modo que foi e ainda é estudado e debatido academicamente.


Texto baseado em artigos do livro "Madonna Companion: Two Decades of Commentary" (1999), que analisam o impacto cultural da obra de Madonna nos anos 80 e 90.

Um comentário: