terça-feira, 12 de maio de 2015

Velvet Goldmine (1998)


Começo dos anos 70. Brian Slade (Jonathan Rhys Meyers), a maior estrela do glam rock no Reino Unido, polêmico pelo comportamento rebelde e pela bissexualidade, simula o próprio assassinato no palco. Uma década depois, o jornalista Arthur Stuart (Christian Bale) é designado a fazer uma matéria sobre a tal farsa e buscar informações sobre o seu paradeiro. Enquanto investiga a história de Brian, Arthur revisita o próprio passado e o impacto causado em sua vida por suas músicas, seu visual andrógino e sua provocativa parceria com o roqueiro americano Curt Wild (Ewan McGregor).

Eu assisti a esse filme pela primeira vez em 2001 e lembro de ter ficado encantador por Ewan McGregor, que eu veria pouco tempo depois em outro musical: Moulin Rouge! Segundo consta, Brian Slade foi baseado em David Bowie e Curt Wild foi inspirado em Iggy Pop e Lou Reed, embora eu (e muita gente) veja muito de Kurt Cobain nesse personagem - além do nome, teve momentos em que achei a semelhança entre Ewan e Cobain assustadora - embora o diretor Todd Haynes tenha afirmado que nenhuma referência ao líder do Nirvana tenha sido intencionalmente colocada.


Quando a história de Curt foi contada, uma das cenas que mais me marcou foi a terapia de choque a que ele foi submetido pelos pais para "curar" seus desvios sexuais na adolescência. Também foi marcante o flashback do jovem Arthur sendo flagrado pelos pais se masturbando vendo uma foto de Brian e Curt e ouvindo suas músicas: "Você traz vergonha a essa casa!".


A influência do comportamento de Brian e Curt em Arthur e em uma geração cansada de repressão e em busca por liberdade, os rastros de destruição e solidão que Curt deixou em Brian e Brian deixou na esposa Mandy (Toni Collette) com seus respectivos abandonos, o brilho nos olhos de Arthur a cada vez em que ele se aproximava da verdade sobre Brian, as referências ao escritor homossexual do século XIX Oscar Wilde no primeiro e último ato... tudo nesse filme é bonito demais. A história, os atores, as roupas, as músicas. Não é simplesmente um filme, é uma obra prima. Um filme pra ver e ouvir!


quinta-feira, 26 de março de 2015

"O Iluminado": O Livro de Stephen King e o Filme de Stanley Kubrick


Os elementos em comum entre o livro e o filme "O Iluminado"
Jack Torrance é um escritor e ex-professor contratado como zelador durante o inverno no Hotel Overlook nas montanhas do Colorado. Devido à localização e às nevascas, o lugar se torna isolado e inacessível nessa época. Sua esposa Wendy e seu filho de 5 anos, Danny, o acompanham no novo emprego. Jack é um alcoólatra em recuperação que parou de beber após quebrar acidentalmente o braço do filho e perder seu emprego como professor. Desde então, Wendy é uma mulher insatisfeita e ressentida com o marido. 
Danny é capaz de ler pensamentos e prever o futuro, coisas que seu "amigo imaginário" Tony conta através de sonhos e transes. Antes da mudança, Danny prevê que o hotel representa perigo para sua família e é acalmado pelo cozinheiro do Overlook, Dick Hallorann, um homem negro de meia idade que está de partida do hotel. Dick também é telepata e explica que as habilidades psíquicas de ambos são "iluminações" e as coisas que Danny está para ver são como "figuras de um livro, não podem machucar". Entretanto, Dick enfatiza que Danny deve manter distância do quarto 217 (237 no filme).
Danny desobedece a recomendação, entra no quarto e é atacado pela mulher morta que estava na banheira da suíte enquanto Jack começa a ser possuído pelas forças malignas do Hotel, passando a visualizar e interagir com fantasmas, inclusive o do zelador anterior, Grady, que havia assassinado a família e depois se suicidado, e recomenda que Jack faça o mesmo, levando Wendy e Danny a uma fuga desesperada com a ajuda de Dick.

As particularidades que complementam e diferenciam o filme e o livro
Há um background sobre Jack no livro que não é mostrado no filme. Jack cresceu em uma família disfuncional, com um pai abusivo e violento com os filhos e a mulher. Apesar do alcoolismo e de alguns episódios de rompantes raivosos, Jack é um homem, de certa forma, sob controle e consciente, tanto que para de beber por conta própria por amor ao filho, com quem possui uma ligação afetiva mais forte do que aparece no filme, que também passa a impressão de que Jack é demente desde sempre.

É dito no filme que a construção do Hotel Overlook se fez em cima de um cemitério indígena no começo do século - considerada uma metáfora de Kubrick sobre o genocídio dos nativos americanos - o que seria a origem (ou uma delas) das forças ocultas que predominam sobre o local.  De acordo com o livro, a malignidade deriva dos assassinatos e suicídios ocorridos no decorrer das décadas em que o Hotel foi comandado por uma sucessão de mafiosos e o destempero de Jack se acentua ao encontrar no porão papéis e recortes de jornais sobre tais acontecimentos.

As visões de Danny no livro são confusas. Ele é avisado por Tony sobre o "redrum" (murder, ou seja, assassinato lido de trás pra frente) e os recursos audiovisuais usados no filme (o banho de sangue no corredor e a visão das gêmeas assassinadas - que não faz parte do livro) são excelentes representações delas. A comunicação telepática entre Danny e Dick ao se conhecerem e mais tarde, no momento em que Danny pede socorro a Dick, é bem retratada com o ruído desconcertante e as trocas de olhares entre os personagens em cena. O Danny do livro é mais comunicativo, eloquente e confortável com suas habilidades psíquicas do que o do filme.

Wendy no filme é excessivamente abatida (o que talvez seja reflexo do stress pelo qual passou a atriz Shelley Duvall durante as filmagens, já que ela e o diretor não se deram bem) e um pouco mais histérica do que o livro sugere. Seu contato com o conteúdo sobrenatural do hotel se dá em dois momentos no filme: ao encontrar os esqueletos no salão de festas e ao ver um homem fantasiado de urso fazendo sexo oral em outro em um dos quartos.

Mas a principal modificação de Kubrick na história de King está no final. Enquanto no livro Danny e Wendy fogem com a ajuda de Dick e Jack morre com o incêndio provocado pelo aquecimento da caldeira no hotel, no filme Dick não sobrevive. Wendy e Danny conseguem fugir e Jack morre congelado procurando por eles fora do hotel. A conclusão do filme mostra uma foto na parede de um baile ocorrido em 4 de Julho de 1921 e Jack está nela, sugerindo que Jack seria a reencarnação de alguém que esteve no hotel nos anos 20 ou que foi absorvido pelo Overlook, embora o interesse primordial do hotel de acordo com o livro estivesse na posse de Danny e não de Jack.

O fim do livro mostra Dick prestando solidariedade a Wendy e Danny, que sofre pela ausência do pai e descobrimos que Tony é, na verdade, uma projeção de Danny um pouco mais velho, já que seu nome completo é Danny Anthony Torrance.

"Quarto 237"
O documentário "Quarto 237" (2012) trata dos enigmas e mensagens subliminares do filme com base em várias teorias, sendo a mais sensacionalista a de que o filme se trata de uma confissão do diretor da sua participação na falsificação da NASA sobre a ida do homem à Lua (Danny com a camiseta com a inscrição Apollo 11 no momento em que é atraído para o quarto, o diálogo sobre contrato e responsabilidade entre Jack e Wendy, e a mudança do número do quarto de 217 para 237 - a distância da Terra à Lua é de aproximadamente 237 mil milhas - seriam pistas dessa confissão).

Stephen King X Stanley Kubrick
Sabe-se que King não gostou nada da adaptação de Kubrick para "O Iluminado", incomodado pela descaracterização dos personagens e com a escolha de Jack Nicholson para viver Jack Torrance (King preferia Jon Voight). Considerado um dos maiores clássicos do cinema, o filme nem sempre foi visto dessa forma. Quando foi lançado, recebeu muitas críticas e indicações ao Framboesa de Ouro.

Os livros mexem com a imaginação e os filmes agem diretamente nos sentidos através de recursos audiovisuais. Sendo as linguagens literária e cinematográfica tão diferentes, nem sempre a fidelidade funciona nas adaptações de livros para o cinema (por exemplo, os arbustos podados em forma de animais que aterrorizam Jack e Danny no hotel são ótimos elementos no livro, mas na adaptação para a televisão feita nos anos 90, as cenas não funcionam bem)Estamos diante de um clássico da literatura e um clássico do cinema. O livro merece ser lido e o filme merece ser visto, desde que o espectador entenda que se trata de uma adaptação livre e não literal.

quarta-feira, 18 de março de 2015

"Enigmas da Culpa" (Moacyr Scliar) e "Entre Garotos"(Pablo Torrens): Culpa, Religião e Sexualidade


Há cerca de um ano eu li "Enigmas da Culpa" de Moacyr Scliar. Lembro que enrolei pra começar por achar que era autoajuda (sim, cometi o erro de julgar pela capa, mas corrigi em tempo) e me surpreendi com um livro inteligente sobre os aspectos morais, religiosos, fisiológicos/ hormonais e até mesmo culturais da culpa, identificando-a em várias obras literárias (desde a Bíblia até obras como Lady Macbeth de Shakespeare e Crime e Castigo de Dostoievski).

O livro não é biográfico, mas Moacyr compartilha experiências da própria vida vez ou outra no texto (o que achei ótimo, pois me senti mais próximo desse autor que até então eu desconhecia). Moacyr fala da mãe, uma típica figura materna judaica - superalimentadora e superprotetora - de acordo com suas palavras, enchendo a mesa de comida quando ele era criança e dizendo: "Você não vai comer tudo? Vai desperdiçar sabendo que tanta gente no mundo passa fome?". E de repente ele se sente culpado pela fome no mundo.

Em "Enigmas da Culpa" consta que Freud considera a culpa resultante da própria civilização, sendo uma forma de reprimir a agressividade instintiva das pessoas. Estando a emoção mais relacionada a aspectos fisiológicos e o sentimento ligado a pensamentos e conceitos pré-estabelecidos, a culpa é um sentimento e o autoflagelo (que também pode ser um distúrbio) pode durar de dias a até mesmo uma vida toda. No contexto religioso, a culpa nada mais é que uma conseqüência da transgressão. 

Eis um dos protagonistas de "Entre Garotos" de Pablo Torrens: o sentimento de culpa. Nesse outro livro lido recentemente, uma ficção sobre um rapaz chamado Elder que, aos 18 anos, é convocado a ser missionário da Igreja Mórmon ao mesmo tempo em que lida com a descoberta da homossexualidade, a culpa é quase um personagem à parte.

A missão de Elder, comum aos jovens mórmons, consiste em viver por dois anos à disposição da Igreja dos Santos dos Últimos Dias nos Estados Unidos, sem contato com a família, sob rígidas regras e pregando o evangelho de porta em porta. Seu desconforto com essa decisão imposta pelos pais me faz lembrar da parábola de Jonas do Antigo Testamento. (Designado por Deus para profetizar a destruição de uma cidade de pecadores, Jonas recusa a missão e foge de barco. Em Sua infinita bondade, o Senhor manda uma tempestade, Jonas é atirado ao mar e engolido por um peixe, que o transporta à tal cidade). Metaforicamente, Elder também é de certa forma "engolido", absorvido pelos conflitos psicológicos causados por sua falta de vontade de seguir a missão, o medo de decepcionar os pais, a atração por alguém do mesmo sexo e tudo o que vem junto com isso: negação, instinto, conceitos como pecado, certo e errado, o bem e o mal colocados à prova e, claro, a culpa.

Escrito em primeira pessoa, o texto é agradável, fluido e envolvente. Como se passa em Joinville, pra mim foi fácil visualizar alguns cenários do livro. Em alguns momentos a sensação é a de que Elder é um amigo contando sua história, familiar a quem passa por momentos similares. Em outros, dá pra se colocar completamente no lugar dele pela narrativa introspectiva e pela sinceridade do personagem, mesmo sendo uma obra de ficção. Um dos mecanismos do autor para que o leitor se coloque na pele de Elder é não citar em momento algum o nome da mãe (na verdade, não sei se a intenção foi essa, mas pelo menos comigo funcionou assim e eu achei genial da parte dele), fazendo com que a figura materna projetada por quem lê seja a da própria mãe, não a do personagem.

Aliás, a mãe de Elder merece destaque. Como toda boa mater dolorosa, ela tenta impedir o filho de seguir um caminho que o leve ao martírio. (Mas será que não são todas as mães assim mesmo?). E assim como a mãe superalimentadora de Moacyr, ela também contribui na construção da culpa do filho. "Você não pretende casar, ter filhos, me dar netos? Não vai me dar essa alegria?". (Poxa, Elder, você vai negar essa felicidade à própria mãe? Been there, done that). Mas como toda mãe, claro que ela não se limita a cobranças. Há amor genuíno ali.

Eu poderia esmiuçar mais sobre os personagens e a história, como já fiz em outros posts, mas não quero estragar a surpresa pra quem for ler. Finalizo dizendo que a primeira paixão, a primeira confidência a alguém sobre ela, a sensação de estar perdido, o apoio encontrado na amizade, enfim, tudo isso pelo que a gente passa quando está crescendo é descrito de maneira muito bonita nesse livro e recomendo muito a leitura de "Entre Garotos", assim como espero que novos livros sejam escritos por esse jovem escritor sensível e eloquente.


segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

O Submundo em "Taxi Driver" e "Scarface"

(Aviso de antemão pra quem não viu os filmes: o texto está cheio de spoilers!)

Segundo consta, o diretor de cinema Martin Scorsese cresceu em Nova York, no bairro Little Italy, famoso pelo crime organizado e pela máfia. Como era asmático, passou a maior parte da infância dentro de casa, protegido desse submundo, mas não indiferente a ele. Tanto que em 73, dirigiu o filme "Caminhos Perigosos" sobre a amizade entre Johnny Boy, um marginal com dívidas de jogo e Charlie, um mafioso em ascensão carregado de culpa católica e, em 76, "Taxi Driver" sobre Travis Bickle, um motorista de táxi que se envolve diretamente com a marginalidade e a prostituição das ruas de Nova York.

Achei válido assistir "Caminhos Perigosos" por ser uma espécie de rascunho do que viria a ser a parceria de Scorsese e Robert De Niro três anos depois em "Taxi Driver", mas não gostei tanto assim. A pouca empatia que eu senti pelos dois protagonistas foi totalmente anulada na cena em que eles deixam Teresa (irmã de Johnny e namorada de Charlie) para trás após um ataque de epilepsia da personagem.

Travis (De Niro), de "Taxi Driver", tem um destempero emocional fascinante desde o início. A insônia crônica o leva a trabalhar como taxista no turno da madrugada. Se interessa por Betsy, mas seu senso de realidade é tão absurdo que a leva em um cinema pornô no primeiro encontro. A rejeição de Betsy e o contato com Iris (Jodie Foster), uma prostituta de 12 anos em fuga o perturbam a ponto de fazê-lo raspar a cabeça, malhar freneticamente e planejar o assassinato do Senador Palantine, para quem Betsy trabalha. A cena em que Travis visivelmente descompensado diz ao espelho "Está falando comigo?" é considerada um dos melhores improvisos da história do cinema.
Ao mesmo tempo em que planeja o atentado mal sucedido, Travis se mostra obcecado em ajudar Iris a sair da prostituição, a ponto de se meter em um tiroteio com o cafetão dela e seus comparsas em que acaba baleado também. Em recuperação no hospital, recebe uma carta de gratidão dos pais de Iris e é mitificado pela imprensa como herói e cidadão modelo, o que é irônico, levando em conta que a visão das pessoas sobre ele seria totalmente diferente se tivesse conseguido matar o Senador momentos antes do resgate de Iris.

Em "Scarface" (1983) de Brian de Palma, Tony Montana (Al Pacino) é um refugiado cubano que chega a Miami e aos poucos se torna o líder do tráfico de drogas, sem medir esforços para atingir suas ambições. Passa boa parte do filme tentando conquistar Elvira, mulher do primeiro chefe, e quando consegue, vivem uma vida infeliz: ela cada vez mais viciada, ele cada vez mais encurralado pela própria vida criminosa. Tem um ciúme doentio da irmã, o que a leva a confrontá-lo sobre um possível sentimento incestuoso da parte dele.

Diferente de Travis de "Taxi Driver", Tony parece ser mais racional que emocional. Tony leva à risca todos os assassinatos à sangue frio a que se propõe a fazer, exceto um. Contratado para explodir uma bomba no carro de um jornalista, Tony desiste ao perceber que o atentado mataria também a mulher e os filhos do homem, mostrando um lado mais humano do mafioso.

Em contraste com o conteúdo violento do filme, a trilha sonora de "Scarface" é composta por sucessos da disco music. O contraponto entre o socialismo cubano e o sonho de vida americano é bem mostrado na história também. Tony já no começo se declara um anti-socialista e repele todas as suas experiências de vida no país de Fidel Castro, mas ao atingir seus ideais capitalistas (dinheiro, mansão, poder), constrói também a sua infelicidade, retratada de maneira melhor impossível na cena final que o mostra baleado em sua piscina e focaliza a estátua de um globo em que a frase "O Mundo É Seu" está escrita.

De Palma foi bastante atacado por feministas e acusado de misoginia após "Scarface", ao que ele respondeu com bom humor. Já "Taxi Driver" inspirou um esquizofrênico a tentar matar o presidente Reagan em 1981. Ambos se tornaram clássicos e influenciaram o cinema ao longo dos anos. "Drive" (2012), por exemplo, capta muita coisa dos dois filmes. A instabilidade, a impulsividade e até mesmo os dilemas morais (ou a falta de) de Travis e Tony me fizeram ter empatia pelos personagens e entender a grandeza dos roteiros. Mas se tiver que escolher entre os dois, "Taxi Drives" ainda é meu preferido.

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015

A Garota Silenciosa (Tess Gerritsen)


O cenário é Boston, Chinatown. Dois crimes, épocas diferentes. Uma mulher não identificada é encontrada morta em um telhado com a garganta cortada e a mão decepada. Entre suas coisas, há um GPS com o endereço da escola de artes marciais de Iris Fang, uma mulher chinesa, de meia idade, cujo marido havia morrido em um massacre em um restaurante 19 anos antes. A partir disso, cabe à detetive Jane Rizzoli desvendar a relação entre Iris e os dois crimes e uma série de mistérios que surgem a partir das investigações, como o desaparecimento de várias adolescentes na cidade.

"Tess Geritsen é leitura obrigatória em minha casa" - Stephen King. Quando li essa recomendação do mestre do suspense na capa de "A Garota Silenciosa" não pensei duas vezes e levei o livro. E, claro, não me arrependi.

Quase todo escrito em terceira pessoa, com alguns poucos capítulos em primeira pessoa (narrados por Iris), o livro possui muitos personagens, mas são a detetive Jane Rizzoli, a patologista forense Maura Isles, a mestre de lutas Iris Fang e a sua jovem assistente Bella Li, de longe, os que realmente interessam. Algumas perguntas surgem durante a leitura: Quem é a garota silenciosa do título do livro? Qual o mistério de Iris? De que lado ela está? 
Achei genial o adjetivo do título se encaixar em mais de uma personagem. Há indícios de um elemento sobrenatural na história, que é elucidado somente nas páginas finais, instigando a curiosidade do leitor até as últimas linhas. O desfecho da história lembra um pouco o de "A Estrada da Noite", de Joe Hill (aliás, filho de Stephen King), pois há um denominador comum entre os livros. 

"A Garota Silenciosa" é daqueles livros que não se quer parar de ler quando começa. É dinâmico e, apesar do conteúdo violento, é leve e fácil de ser lido. Lembra um pouco os livros de Agatha Christie também. Soube que há uma série de TV baseada nas personagens Jane Rizzoli e Maura Isles, o que me deixou curioso, pois no livro elas têm muitos atritos apesar da idoneidade e ética profissional de ambas. Quanto ao livro, pra quem gosta de suspense de qualidade, é altamente recomendado!

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2015

O Cinema e a Vida Após a Morte

O sobrenatural está presente no mundo do cinema há muitos anos. Filmes como "Drácula", "Frankestein" e "Zumbi Branco" com vampiros e mortos-vivos eram comuns nos anos 30 por servirem de metáfora para os capitalistas de Wall Street após a crise de 1929, mas foi na década de 40 que filmes dramáticos sobre a vida após a morte e a passagem entre os mundos ganharam força.

"Um Passo Além da Vida" (1944) foi um dos primeiros do gênero. Em um navio bombardeado na Segunda Guerra Mundial, os personagens mortos estão em uma espécie de purgatório em que um juiz designa o destino final de cada um. Em uma das cenas mais emocionantes, Prior (personagem de John Garfield), um homem anti-ético prestes a ser condenado ao inferno é salvo pela intervenção de uma senhora que se responsabiliza em olhar pelos seus atos. Prior não sabe, mas trata-se da mãe que o abandonou na infância. Para ela, a concepção de paraíso é estar perto do filho no "outro lado".

O boom de filmes semelhantes na época foi indicativo do senso inato de muitos de que a morte não é o fim, mas também uma forma de confortar as pessoas que perderam seus entes queridos na Segunda Guerra. Nas décadas seguintes, a temática perdeu força. Para rivalizar com a TV, o cinema apostou em sexo, violência e efeitos especiais para atrair as massas. Entretanto, no fim dos anos 70 a popularização do budismo tibetano e do psicodelismo instigou as pessoas sobre perda de consciência, alucinações, coma e experiências fora do corpo, trazendo de volta o interesse em roteiros sobre a vida após a morte.

Em "Ressurreição" (1980), após um acidente de carro, a personagem Edna fica na passagem entre os mundos até o retorno dos seus batimentos cardíacos. A intensa luminosidade das imagens na cena remete a um estado óptico provocado pelo uso de heroína. Recuperada, Edna descobre o poder de curar espiritualmente doenças de outras pessoas, sendo rotulada ao mesmo tempo de abençoada e demoníaca. Outro elemento forte presente é a serpente de duas cabeças que aparece em alguns momentos do filme e na Mitologia Grega significa "seguir em duas direções".


Em "Poltergeist" (1982), Carol Ann, a caçula de 5 anos de uma família de 5 pessoas, é sugada por espíritos para dentro do armário enquanto fenômenos paranormais acontecem na casa, sendo a televisão o único meio de contato entre a menina e a família.
Tanto em "Ressurreição" quanto em "Poltergeist", as personagens enxergam uma luz, uma referência à Luz Clara do Vazio citada no Livro Tibetano dos Mortos, e atravessá-la pode significar deixar totalmente o plano terreno.


"Um Passo Além da Vida", "Postergeist" e o mais recente "Os Outros" (2001) possuem como elemento em comum a existência de locais específicos para a permanência dos mortos. Esses lugares se tornam também personagens e funcionam como purgatórios ou refúgios onde só a libertação do sofrimento levaria as almas à ascensão.  

Em "Ghost" (1990) e "Um Olhar do Paraíso" (2009), os protagonistas Sam e Susie, respectivamente, após serem assassinados são incapazes de concluir o processo da morte por estarem presos ao plano físico por apego, ressentimento e sede de justiça. Como poltergeists, eles conseguem interferir no plano material, movendo objetos e sendo ouvidos por sensitivos, porém a motivação nesse caso é a tentativa de proteger as pessoas próximas de seus assassinos à solta. Uma vez cumpridas suas obrigações cármicas, em paz, os espíritos transcendem.

Nesses anos todos, o que o cinema fez foi tentar traduzir a busca pela compreensão do significado e propósito da morte, e independente das convicções pessoais dos espectadores, ótimos roteiros foram e serão gerados nessa perspectiva.

quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

Inferno (2013)

SINOPSE: O professor Robert Langdon desperta em um hospital desconhecido em Florença, Itália, com perda de memória recente após sobreviver a um aparente atentado. Quando Vayentha, uma agente do Consórcio - organização secreta especializada em satisfazer desejos de pessoas poderosas, inclusive governantes do mundo todo, custe o que custar - surge perseguindo Robert, o professor foge com ajuda da médica Sienna Brooks e descobre que o livro "A Divina Comédia" de Dante Alighieri e o quadro "Mapa do Inferno de Dante" de Sandro Botticelli são as chaves para impedir a ameaça bioterrorista do pesquisador Bertrand Zobrist, que é obcecado pela obra de Dante e está convencido de que uma nova enfermidade, como a Peste Negra da Idade Média, é necessária nos dias atuais para resolver o problema da superpopulação do planeta e salvar a humanidade da extinção pelo esgotamento dos seus recursos naturais.

A saga de Robert começa pelo Palazzo Vecchio de Florença, passa por Veneza e termina na Basílica de Santa Sofia de Istambul, sempre seguindo pistas pelas obras de arte, objetos como a máscara mortuária de Dante e pelos lugares históricos por onde passa. 

Quanto aos personagens: 
Sabe aquelas histórias em que você torce pelo antagonista? "Inferno" é exatamente assim. Se for ler, não leia pelo sem carisma e assexuado professor Robert Langdon. Leia pelo vilão: Bertrand Zobrist é um homem interessante, completamente insano e capaz de seduzir seus discípulos (homens e mulheres) de modo a fidelizá-los em sua teoria apocalíptica.

As motivações da atiradora Vayentha, que se vê encurralada por ter falhado na missão de alcançar o professor Robert, são interessantes e poderiam ter sido mais exploradas no livro.

A Dra. Elizabeth Sinskey, diretora da Organização Mundial de Saúde surge na história quase como uma figura mitológica, aparecendo primeiro na alucinações pós-traumáticas de Robert. Seu embate com Bertrand é um dos pontos altos da história.

Sobre Sienna, as reviravoltas do seu personagem não surpreendem e parecem mal construídas. Pra mim, é um personagem tão chato quanto o protagonista.

Quando ao desfecho da história:
Em vista de todo o suspense, esperava mais. Mas mesmo assim não decepciona.

quinta-feira, 22 de janeiro de 2015

Heathcliff ("O Morro dos Ventos Uivantes")/ Orlando ("Orlando")


"O Morro dos Ventos Uivantes" é um livro de 1847 escrito por Emily Brontë. "Orlando" foi publicado por Virgínia Woolf em 1928.

Ambos os livros são dividido em duas partes.

Na primeira parte do "Morro dos Ventos Uivantes", Heathcliff é apresentado como um órfão adotado por um fazendeiro, Earnshaw, que já tinha dois filhos biológicos: Hindley e Catherine. Heathcliff e Catherine tem uma afeição imediata, ao passo que Hindley hostiliza Heathcliff e, na morte do pai, submete-o a humilhações físicas e psicológicas.
Na primeira parte de "Orlando", o personagem é um nobre inglês nascido no século 16, sedutor, apegado aos animais e a uma vida bucólica ao mesmo tempo em que gosta de escrever e sonha em ter seus textos publicados.

No primeiro ato de ambos os livros, os protagonistas sofrem situações de desilusão e abandono. Catherine decide se casar com Edgar Linton, mais instruído e com melhores condições de vida do que Heathcliff, um trabalhador braçal praticamente escravizado pelo irmão.
Orlando se envolve com uma princesa russa que o abandona no dia marcado para deixarem Londres. Além disso, tem seu sonho de ser reconhecido como escritor frustrado por Nicholas Greene, um influente poeta que ridiculariza seus escritos.

O envolvimento com mulheres traiçoeiras, o isolamento e a introspecção de Heathcliff e Orlando após essas situações talvez sejam as únicas semelhanças entre eles. Vale ressaltar que na primeira parte, é possível admirar Heathcliff por sua resiliência (o que não acontecerá na segunda parte do romance).

A partir daí, os dois livros e seus personagens seguem rumos muito diferentes. O retorno de Heathcliff na segunda parte é marcado pela sua transformação em um homem cruel, perverso e impiedoso no melhor estilo "Velho Testamento".
Orlando, depois de passar uma semana em uma espécie de coma, acorda no corpo... de uma mulher. Isso mesmo. Após ter vivido 30 anos como homem, Orlando muda naturalmente de sexo.

Não vou contar mais para não estragar a surpresa de quem ainda não leu e se interessou.

Talvez a comparação entre os livros e seus protagonistas seja injusta, já que derivam de épocas e estilos literários diferentes. Na minha experiência com os dois livros, o "Morro" foi bem mais fácil de ler. Pela narrativa ser baseada na ação, o ritmo dos acontecimentos é acelerado, e o desenrolar dos fatos desperta muita curiosidade. O livro de Virginia é um pouco maçante por ser muito descritivo e as divagações sobre as diferenças entre os universos masculino e feminino se tornam cansativas. Como a narrativa é baseada no personagem, o ritmo das acontecimentos é bem mais lento também.

Ambos são livros excelentes de duas grandes autoras, cada um a sua maneira, mas enquanto "O Morro dos Ventos Uivantes" soa as vezes - de maneira incômoda - como uma ode ao machismo e à violência doméstica, "Orlando" foi um precursor nas discussões que viriam nas décadas seguintes sobre o feminismo e até mesmo a transexualidade.

segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

Still Alice (2015)

Direção: Richard Glatzer e Wash Westmoreland

Drama sobre Alice (Julianne Moore), uma importante professora de linguística que descobre ter Alzheimer e as implicações da doença em sua vida e na de sua família.
Difícil não se emocionar ao se colocar no lugar da personagem principal e imaginar como deve ser perceber que as habilidades das quais mais nos orgulhamos podem entrar em degradação. Ver as lembranças se apagando. Ou pior, perde-las completamente.
Alice tem um marido e 3 filhos, mas o que toca mais no filme é a relação com a filha Lydia (Kristen Stewart).

#SPOILER
Antes da progressão da doença, em um determinado momento Alice grava um vídeo a si própria com instruções para ingerir um pote de comprimidos caso se dê conta de um estado avançado de deterioração de sua capacidade mental. O clímax do filme é quando ela, já bastante doente, encontra o vídeo e chega muito perto de cometer o suicídio. 
O final é angustiante. Lydia, a filha "imperfeita", aquela que optou por fazer teatro, não quis saber de fazer faculdade, e com quem a mãe sempre teve tantos atritos, acaba sendo quem toma conta dela num momento em que o marido de Alice, em difícil decisão, opta por avanços na sua carreira profissional em outra cidade e Anna, a "filha modelo" chega a demonstrar medo de conviver com a mãe.

Enfim, é um filme que faz refletir sobre o que fazer quando o controle foge completamente das nossas mãos. Julianne está perfeita no papel e espero muito que ganhe o Oscar (embora eu saiba que a premiação nem sempre é justa e premia quem merece). Kristen Stewart mostrou uma evolução como atriz ao meu ver também. Está aos poucos deixando de ser a "Bella".