segunda-feira, 24 de abril de 2017

Fascismo x Paranóia


No livro de ficção científica "Clãs da Lua Alfa" de Philip K. Dick, publicado em 1964, a lua Alfa III M2 é um satélite que serve de asilo para pacientes psiquiátricos terrestres largados à própria sorte. Nessa realidade alternativa, há divisão em grupos sociais (clãs), leis e lideranças semelhantes a um Estado constituído.
Quando uma psicóloga terrestre chega à Lua Alfa, ela conclui que a liderança daquela sociedade recai sobre os paranoicos, o que seria perigoso pela incapacidade deles de sentir empatia e se colocar no lugar do outro. A base emocional de sua ideologia seria o ódio. Ódio por tudo o que diferisse do seu grupo.

Os livros que eu escolho ler em seqüência ou ao mesmo tempo sempre - misteriosamente - se relacionam entre si ou sincronizam. E ao começar a ler "Como Conversar Com Um Fascista", vi que a autora Márcia Tiburi usa palavras muito parecidas com as de PKD para descrever uma situação atual e real: vivemos em uma sociedade fascista e temos muitas pessoas paranoicas em cargos de liderança política, religiosa e midiática. O medo, a paranoia e o ódio estão presentes nos discursos distorcidos e na tentativa de fazer com que vítimas e algozes troquem de lugar ao tentar estabelecer falácias - por exemplo: "heterofobia", "cristofobia" e "racismo reverso" - como verdades.

Eu tive uma experiência com fascistas/ paranoicos há um tempo atrás em uma mesa de bar. Eu ouvi todos os clichês reacionários possíveis - "meritocracia" foi uma palavra dita várias vezes pelo grupo e, acreditem, foi uma das mais "leves". Nesse caso específico eu segui o conselho de RuPaul:
Mas é sempre desconfortável lembrar daquele dia. Aquelas pessoas (que aliás, são gays) reproduzem discursos de opressão sem mensurar os possíveis danos para uma comunidade da qual fazem parte, para elas mesmas. E não são as únicas. Qualquer sessão de comentários de notícias na internet prova isso. Precisa haver limites para a idiotice. Do contrário - como diz M. Tiburi - o que resta é isolar-se e estocar alimentos.

quinta-feira, 13 de abril de 2017

Strike a Pose (2016)


Em 1991, dois documentários de grande importância para a comunidade LGBT foram lançados: "Paris is Burning", que mostrava a cena gay de Nova Iorque do fim dos anos 80 - as drag queens, os bailes, o vogue; e "Truth or Dare", que mostrou os bastidores da Blond Ambition Tour de Madonna e o convívio com sua equipe - parte dela composta por 7 dançarinos: Carlton, Gabriel, Jose, Kevin, Luis, Oliver e Slam. Uma Parada Gay e um beijo entre dois deles foram mostrados no filme. Em meio a polêmica e muitos protestos, a temática LGBT finalmente chegava ao mainstream.

Mal sabiam esses dançarinos que se tornariam ícones da cultura pop. A exposição deles em "Truth or Dare" foi transgressora em uma época de conservadorismo e repressão. Até hoje eles recebem mensagens de gays do mundo todo dizendo o quanto a coragem, a alegria e o talento mostrados foram inspiradores. Eu mesmo admito que foram minha primeira referência gay e quer eu me identificasse com eles ou não, a mensagem absorvida foi: está tudo bem em ser diferente.

Gabriel faleceu em 1995 em decorrência da Aids. E os outros resolveram contar as suas histórias no documentário "Strike a Pose", lançado ano passado. Esses foram os gays que eram jovens nos anos 90 e hoje estão envelhecendo, com uma trajetória de marginalidade, abandono e solidão - que nesse caso, especificamente, contrasta com toda a fama passageira que tiveram.

Doeu saber que a vida não foi pra eles aquilo com o que sempre sonharam. Muitos se deslumbraram, fizeram escolhas erradas e desperdiçaram oportunidades. Ver Slam chorando pelo segredo que não teve coragem de compartilhar com os amigos - resultado da educação rígida do pai - me partiu o coração. Mas me confortou saber que - exceto por Gabriel - eles sobreviveram, os medos e os preconceitos foram superados e hoje em dia estão bem. E sim, é possível superar todo o desamor que nos é imposto. 

quinta-feira, 6 de abril de 2017

Ghost In The Shell e Blade Runner


Eu amo "Blade Runner". E o que eu sinto pelo livro "Andróides Sonham Com Ovelhas Elétricas?" que o inspirou não pode ser descrito por palavras.

Blade Runner apresenta um futuro distópico, sem natureza, predominado pela noite, chuva e fumaça. Baixa qualidade de vida, guetos e ruas imundas em contraste com hologramas, edifícios gigantescos e alta tecnologia. Apesar desse filme ser dos anos 80, eu só fui assistir ano passado por ter lido o livro do Philip K. Dick. E lembro de ter imaginado o que as pessoas que o viram no cinema na época devem ter sentido.

Essa semana eu assisti "Ghost In The Shell". O cenário cyberpunk - estilo que teve Blade Runner e "Neuromancer" como precursores - está ali, com todos os seus aspectos visualmente melhorados (nem dá pra comparar os efeitos especiais de um filme de 2017 com um de 1982). Agora a história é contada pela perspectiva de uma andróide e não de um homem caçador de andróides considerados fugitivos perigosos.

Afinal de contas, o que diferencia uma pessoa de um ser criado artificialmente? O que é realidade e o que é a distorção dela? É possível que um replicante tenha mais empatia aos seres ao seu redor (inclusive os animais) que os humanos? E andróides sonham mesmo com ovelhas elétricas? E as pessoas, com o que sonham? Elas são definidas pelas suas lembranças ou por aquilo que fazem? Quais lembranças são confiáveis? Quanto cada um é capaz de lutar pra sobreviver?

A despeito de todas as críticas que Ghost In The Shell vem sofrendo, eu amei cada detalhe dele. Da atuação de Scarlett à trilha sonora. Mas o maior presente que esse filme me proporcionou foi experimentar um pouco a sensação de assistir a Blade Runner no cinema.