(Aviso de antemão pra quem não viu os filmes: o texto está cheio de spoilers!)
Segundo consta, o diretor de cinema Martin Scorsese cresceu em Nova York, no bairro Little Italy, famoso pelo crime organizado e pela máfia. Como era asmático, passou a maior parte da infância dentro de casa, protegido desse submundo, mas não indiferente a ele. Tanto que em 73, dirigiu o filme "Caminhos Perigosos" sobre a amizade entre Johnny Boy, um marginal com dívidas de jogo e Charlie, um mafioso em ascensão carregado de culpa católica e, em 76, "Taxi Driver" sobre Travis Bickle, um motorista de táxi que se envolve diretamente com a marginalidade e a prostituição das ruas de Nova York.
Achei válido assistir "Caminhos Perigosos" por ser uma espécie de rascunho do que viria a ser a parceria de Scorsese e Robert De Niro três anos depois em "Taxi Driver", mas não gostei tanto assim. A pouca empatia que eu senti pelos dois protagonistas foi totalmente anulada na cena em que eles deixam Teresa (irmã de Johnny e namorada de Charlie) para trás após um ataque de epilepsia da personagem.
Travis (De Niro), de "Taxi Driver", tem um destempero emocional fascinante desde o início. A insônia crônica o leva a trabalhar como taxista no turno da madrugada. Se interessa por Betsy, mas seu senso de realidade é tão absurdo que a leva em um cinema pornô no primeiro encontro. A rejeição de Betsy e o contato com Iris (Jodie Foster), uma prostituta de 12 anos em fuga o perturbam a ponto de fazê-lo raspar a cabeça, malhar freneticamente e planejar o assassinato do Senador Palantine, para quem Betsy trabalha. A cena em que Travis visivelmente descompensado diz ao espelho "Está falando comigo?" é considerada um dos melhores improvisos da história do cinema.
Em "Scarface" (1983) de Brian de Palma, Tony Montana (Al Pacino) é um refugiado cubano que chega a Miami e aos poucos se torna o líder do tráfico de drogas, sem medir esforços para atingir suas ambições. Passa boa parte do filme tentando conquistar Elvira, mulher do primeiro chefe, e quando consegue, vivem uma vida infeliz: ela cada vez mais viciada, ele cada vez mais encurralado pela própria vida criminosa. Tem um ciúme doentio da irmã, o que a leva a confrontá-lo sobre um possível sentimento incestuoso da parte dele.
Diferente de Travis de "Taxi Driver", Tony parece ser mais racional que emocional. Tony leva à risca todos os assassinatos à sangue frio a que se propõe a fazer, exceto um. Contratado para explodir uma bomba no carro de um jornalista, Tony desiste ao perceber que o atentado mataria também a mulher e os filhos do homem, mostrando um lado mais humano do mafioso.
Em contraste com o conteúdo violento do filme, a trilha sonora de "Scarface" é composta por sucessos da disco music. O contraponto entre o socialismo cubano e o sonho de vida americano é bem mostrado na história também. Tony já no começo se declara um anti-socialista e repele todas as suas experiências de vida no país de Fidel Castro, mas ao atingir seus ideais capitalistas (dinheiro, mansão, poder), constrói também a sua infelicidade, retratada de maneira melhor impossível na cena final que o mostra baleado em sua piscina e focaliza a estátua de um globo em que a frase "O Mundo É Seu" está escrita.
De Palma foi bastante atacado por feministas e acusado de misoginia após "Scarface", ao que ele respondeu com bom humor. Já "Taxi Driver" inspirou um esquizofrênico a tentar matar o presidente Reagan em 1981. Ambos se tornaram clássicos e influenciaram o cinema ao longo dos anos. "Drive" (2012), por exemplo, capta muita coisa dos dois filmes. A instabilidade, a impulsividade e até mesmo os dilemas morais (ou a falta de) de Travis e Tony me fizeram ter empatia pelos personagens e entender a grandeza dos roteiros. Mas se tiver que escolher entre os dois, "Taxi Drives" ainda é meu preferido.